Cosmos-Carl Sagan-1

 Nossos ancestrais ansiavam compreender o mundo, mas
não conseguiram encontrar um método. Imaginaram um universo
pequeno, fantástico e arrumado, no qual as forças dominantes
eram deuses como Anu, Ea e Shamash. Neste universo os seres
humanos desempenharam um papel importante, senão central.
Estamos intimamente entrosados com o resto da natureza. O
tratamento da dor de dente com cerveja de segunda classe esta-
va associado aos mais profundos mistérios cosmológicos.
Hoje em dia descobrimos um modo mais abrangente e
distinto para entender o universo, um método chamado ciência;
revelou-nos um universo tão antigo e tão vasto que os problemas
dos seres humanos pareciam, à primeira vista, decorrentes de
pequenas implicações. A nossa visão do Cosmos cresceu. Pare-
ceu-nos, a princípio, remoto e distante. Mas a ciência descobriu
não somente que o universo encerra uma grandeza implícita e
estática acessível à compreensão humana, mas também que
somos, em um sentido muito real e profundo, uma parte deste
Cosmos, nascidos dele, nosso destino irremediavelmente ligado a
ele. Os eventos humanos básicos e os mais triviais remontam ao
universo e suas origens. Este livro se dedica à exploração desta
perspectiva cósmica.
No verão e outono de 1976, como membro do Viking Lan-
der Imaging Flight Team, engagei-me, com outros vários colegas
cientistas, na exploração do planeta Marte. Pela primeira vez na
história da humanidade, fizemos aterrissar duas espaçonaves na
superfície de um outro mundo. Os resultados, descritos detalha-
damente no Capítulo 5, foram espetaculares, o significado históri-
co da missão inegavelmente visíveis, embora o público não tenha
conhecimento de quase nada destes importantes acontecimentos.
A imprensa foi, em sua maior parte, desatenta; a televisão tam-
bém ignorou a missão. Quando tornou-se claro que uma resposta
definitiva sobre a questão da vida em Marte não viria, o interesse
diminuiu ainda mais. Há pouca tolerância para a ambigüidade.
Quando descobrimos que o céu em Marte era de uma coloração
amarelo-róseo e não azul como tinha sido erroneamente noticia-
do, o fato foi saudado por um coro de vaias pelos repórteres reu-
nidos — eles queriam que Marte, até mesmo neste aspecto, fosse
semelhante à Terra. Acreditavam que os índices de audiência se
desinteressariam progressivamente quando fosse revelado que
aquele planeta era diferente do nosso, embora as paisagens mar-
cianas fossem desconcertantes. Fui positivo, baseado em minha
experiência, que existe um enorme interesse geral na exploração
dos plane-tas e em muitos tópicos científicos afins — a origem da
vida, a Terra e o Cosmo, a procura de uma inteligência extrater-
restre, nossa conexão com o universo. Estou certo de que este
interesse poderia ser incentivado pelo mais poderoso meio de co-
municação que é a televisão.

Carl Sagan ... Cosmos

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